quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Sobre lixo e consternação

Lembrando de Fernando Sabino em uma de suas crônicas, adianto que muito provavelmente não saberei reverter-me da seriedade que o assunto exige e que as fotos de Marcos Prado - fotógrafo e diretor do documentário "Estamira" - denunciam. O fato é que toda vez que vejo um animal (sem querer ofender a nossa fauna) jogar lixo na rua, a primeira imagem que me vem à cabeça é a do sujeitinho levando uma surra que pode variar de acordo com o que tenho em mãos: uma revista, a mochila, ou mesmo o sapato, que tiro abruptamente dos pés e atiro, num lance certeiro que atinge diretamente os córneos do indivíduo. É uma imagem que pode sumir da cabeça rapidamente ou durar toda a viagem (quando o inconsciente é tão sem vergonha que, pela janela, atira uma lata de alumínio ou um saco vazio de Ruffles - fosse cheio ainda ajudava a matar a fome de um miserável).

Ontem, deparei-me mais uma vez com a cena lamentável em que um leviano espalha cretinamente pela rua, papeizinhos amassados de bis.

Coisa que me dói é ver que o homem não tem (ou não quer usar) a capacidade (que eu chamo de bom senso e outros de senso de zelo) para perceber que estamos destruindo o mundo. E que o planeta coitado, sujo, mal cuidado, tem desesperadamente pedido socorro para uma platéia surda e estática, que vê mas não consegue entender e mais do que entender, agir.

Vez ou outra, possuído por um sentimento parecido com o que escrevo agora, enfrento o vagabundo. Uma vez, parado enquanto aguardava condução num ponto de ônibus, vi uma mulher jogar num gesto rápido, quase ao meio da pista, uma garrafa plástica de água mineral. E eu, estupefato:

- Moça, tem uma lixeira ali, bem ao seu lado - disse, quase a implorar que ela se redimisse, ao que a cretina olhou-me de cima a baixo e virou a cara num gesto de desdém quase imcompreensível pra mim.

Fazer o quê? É a contribuição que posso dar, por enquanto. Ao responder a já famosa primeira pergunta, das dez que a revista Marie Claire faz aos entrevistados da sessão Pré-estréia, (Se você fosse Deus e só pudesse tomar uma decisão, qual seria?) diria: "Faria com que o respeito ao próximo fosse o objetivo que o ser humano mais quisesse alcançar. E que fosse o mais fácil de ser alcançado."

E diria isso porque realmente acredito que se pudéssemos reduzir nossa ambição a um desejo principal, seria esse o que nos levaria à concretização de todos os outros.
texto originalmente publicado na casa antiga, em 24/10/2007.
ilustrações: marcos prado.

7 comentários:

Beto Canales disse...

sabe que tenho uma técnica? Qdo vejo alguém jogando um papel qualquer na rua, apanho o lixo e devolvo pra pessoa dizendo:
- Olha, você deixou cair.
Tem funcionado, as pessoas ficam constrangidas - algumas - e envergonhadas.

Robson Schneider disse...

Felipe isso tambem me tira do sério, procuro ensinar meus filhos o valor da reciclagem, seleção do lixo, essas coisas são básicas né?!
Cooperamos com uma usina de reciclagem aqui em minha cidade, e outro dia teve uma reportagem na tv com as pessoas que trabalham nela... Fiquei emocionado, pois antes eram catadores de lixo na rua, hoje com a usina, tem emprego e retomaram a auto-estima, uma coisa tão simples que a gente assume como hábito, pode, além de beneficiar o planeta, tambem põe comida na mesa de gente faminta e de vida antigamente miserável.
Abraço e oportunissimo seu texto!

Tunai Giorge disse...

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Cara, uma vez vi uma mãe, tia, babá, seiláoque ordenando que o moleque jogasse a latinha de refri antes que a porta do bus fechasse. Sendo que a lixeirinha estava ali.. do lado da criança. Eis que surge uma voz e solta: "A senhora deveria ensinar a jogar o lixo no lixo" Enfim... coisas do fim do mundo

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Anônimo disse...

Penso que para todos os problemas (ainda que sociais..) as soluções começam em algum lugar, ou seja, se cada cidadão fizesse a sua parte, cobrando ou até pegando o lixo e colocando nas lixeiras ou nos espaços condizentes (já fiz isso, também...), já estaríamos dando dois de cada vez. Senti isso verdadeiramente, nessa fase pré eleitoral, onde as pessoas entopem as ruas e as calçadas de uma cidade como São Paulo, cuja estrutura está em tempo integral, sujeita a entupimentos, enchentes, etc...Muito bom esse alerta, Felipe. Muito bom....

Flávia disse...

Eu vivo batendo nessa questão aqui na minha cidade. Por isso gosto de trablhar com crianças: pq elas são mais receptivas à essa questão de consciência cidadã que os adultos, e muitas vezes são o agente modificador junto à própria família. E também uso o esquema do rapaz aí em cima, do "ops, vc deixou cair"... já ouvi muita gente dizer que não vou mudar a ordem das coisas com isso, mas a gente segue na luta, né?

Beijão!

Michelle Dangeli disse...

Felipe, também assisti ao Estamira e é muito emocionante. Eu creio que Deus faz a parte Dele, e acredito que Ele trabalha pra que consigamos amar e respeitar o próximo. Mas, o fato é que somos ainda muito ignorantes, infelizmente. Uns burros no trato com o nosso meio ambiente, com o nosso próximo e com nós mesmos!

Jana Lauxen disse...

Nem me fala.
Fico puta da cara.
E é justamente isso - a falta de noção das pessoas - que me deixa louca: como podem não morrer de vergonha? Como podem ser tão alienados, ignorantes e mal educados?
Aff!

Continuemos fazendo a nossa parte.
Exemplos arrastam, acredite.

Abraço
:)