quarta-feira, 30 de julho de 2008

Nostalgia

Um brinde à juventude;
àqueles que viajam,
aos que ardem.
Esses que gostam do frio
pois da boca sai fumaça!
Fazendo evocar o tempo
em que aqui dentro
havia algo que não fosse pecado.
Felipe Favilla, viva, viva! (julho/ 2008)

A estrada imaginária

Quando mais novo tive inúmeros amigos imaginários. Eu os criava à medida em que tinha necessidades importantes a serem supridas ou quando, simplesmente, fantasias pediam-me para serem realizadas.

Eu tinha uma outra vida. Nem pior e nem melhor, diferente apenas. Numa vida vivi tudo o que me faltou noutra, até o instante em que cansei-me da vida dupla.

Lembrei-me disso porque constantemente me pergunto se num desses devaneios, não deixei em algum lugar - dos muitos que visitei - minha cabeça e um pedaço da minha alma, esquecidos.

Pedaços

Dorme em mim o não sem raiz - aquele sim que seu espírito livre poderia ter dito e teve medo.
Eu compreendo
E ignoro.

Dorme em mim o seu nome
"Queria beijar-te a boca num beijo do tamanho de um século"
Nada mais pode ou deve ser dito
Os encontros devem ser evitados
E se inevitáveis, o passado deverá ser respeitado
E permanecer onde está.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Desconstrução

Você ama tudo o que dói em mim
E retribuo
Desejando fortemente cada pedaço seu que você crê irrelevante
Sua angústia, escondida sob a capa cosmopolita
Seu próprio desejo, que quer ignorar e não consegue
Você sempre volta e eu não vou embora
Sua construção perfeita frente à minha, embargada
O retrato sujo do nosso amor
Nossa paixão encardida
Sob os painéis da perfeição e do inacabado, somos os mesmos, no fundo
Você ama tudo o que dói em mim
E eu retribuo.

domingo, 20 de julho de 2008

Eu não sei esperar


Eu vi a lua brotar do chão e dizer: espera!
Se eu não fosse tão impaciente, sofreria menos
Ainda posso ouví-la: "espera!"
Eu não sei esperar, não consigo
Não sem muita dor
Sem enganos tremendos
Sem confundir-me
Eu não sei
(Onde estão os relógios?
Como se mede o tempo?
Como se mede o tempo de Deus?
Como se muda o destino? )
Eu pensei ter a visto
Era ela? Como faço pra saber?
Eu senti, basta
Com ela um perfume inebriante (eu só )
Eu só queria encontrar os lábios dela
Mas eu não me amo
Não posso amá-la
Não posso amar ninguém
(barulho de relógio, impiedoso, marcante).
Ilustração: the moon.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Lista de compras


Jantar e depois lista de compras
O desodorante que você gosta
Hidradante: sua pele sofre tanto com o frio!
Suco para nós dois
Pão e manteiga
"Vamos deixar a lista pra depois?"
Sua boca, voz e um convite
Você sempre diz que se surpreende com a minha força
Eu que pareço tão menino
Nosso amor acorda muitos sentimentos
Tanta paixão, loucura
Tanto afeto e desespero
E sofrimento
(Liberdade) medo
Eu sempre fico com medo quando me sinto tão vivo
Você também, mas você não diz porque o seu medo é maior
Olho você dormir: incrível o seu magnetismo, mesmo de olhos fechados, quando o verde se apaga
Então só existe você
Sem fantasia ou pinturas
Aí compreendo o óbvio: o essencial, o que nos põe de pé - desejo, paixão, intensidade, amor, verdade, fé, destino - nada disso está exposto nas prateleiras do supermercado.

As confissões da Srta. Nina Bar

Compreendo que, ao cometer suicídio mergulhando num mar revolto e frio, a Srta. Nina Bar já estava morta, não vivia mais.
Já havia morrido pra si mesma, não reconhecendo-se em meio a tantos personagens criados por e para ela.
Não era mais capaz de amar e ser amada (depois de tanto amar), sucumbiu em meio as ondas tenebrosas de um maremoto dentro do peito.
Morreu temendo que os muros espalhassem seus segredos, escondendo-se do mundo.
Revelando-se sempre aos que a permitiam.
Nina era forte mas não quis usar forças; demonstrar forças era sinal de fraqueza.
Nina despedaçou-me. E me ensinou a remontar, pedaço a pedaço, uma alma em cacos.
Com todos os erros e uma disposição invejável para descobrir a verdade sobre suas emoções.
Usufruindo de tudo, de cada pedaço do mundo.
Desnudando corpos, caras, almas.
Pecando, redimindo-se. Inúmeras vezes.
De tanto viver e viver de tudo, acordou e percebeu-se já morta, não havia mais o que fazer aqui.
A data: doze de junho. Nina não se lembrava que era dia dos namorados, portanto, minha suspeita inicial de que sua dor era de cotovelo, não se firmou.
(Àquela época, a propósito, Nina mantinha um caso com um homem jovem e casado, pai de duas meninas, por quem esteve apaixonada. E só tinha dezenove anos).

terça-feira, 15 de julho de 2008

Descalços

Descalços, seus pés em meu colo e você diz diversas vezes que me pertence.
Faz cara de manha, abaixa o tom de voz (eu morreria para que aquele instante nunca acabasse).
Estremeço ao menor sinal de aproximação do seu corpo.
Nossos pêlos, sua boca. Boca de mulher, suave.
Você me faz perguntas e eu tropeço, várias vezes.
Engasgo, fico bobo.
Nunca sei o que você ia querer escutar.
Me preocupo: eu sou o que você gosta? (Não quero te perder).
Minha cor predileta é verde-musgo.
Filmes. Comida. Fotografia. Sexo. Amor.
Noites e madrugadas. Boas conversas. Conversas.
Fins de semana.
Gestos simples que representam grandes sentimentos: não revelados ou escancarados.
Chuva, piso de madeira. Pés no chão sempre que possível.
Sonhos muito grandes.
Você. Você. Você. Vocês. Vocês.
O caos, a ordem e todas as antíteses, contradições e incoerências.
O mundo. O nosso.
(Porque) nós estaremos sempre por aí. Vagando - com ou sem movimento - otimistas, cansados, distantes, diferentes, os mesmos.
Eu e você. Você e eles.
Nós todos de uma vez no olho do furacão, na brisa leve.
Tudo.
Às vezes, nada.
Vivos.
Tentando.

terça-feira, 8 de julho de 2008

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Sobre intimidade, paixão e poucas palavras

"Quer saber o que eu acho? Eu acho que você me ama".
Silêncio.
Sinto seus pés em minhas costas.
Nós no chão, eu deitado.
Não tive resposta.
Nem precisava.
Eu podia perceber o entusiasmo, o encanto.
Paixão.
Paixão.

terça-feira, 1 de julho de 2008

06h52min: pontes e paisagens grotescas

Foi a mãe quem o apresentou à casa nova. Ele desesperou-se ao se dar conta de que para chegar à porta principal era necessário atravessar uma espécie de ponte: uma estrutura tão simples que se assemelhava a uma tábua de madeira pouco larga, finíssima, sem corrimão para apoio e que - não bastasse - acomodava embaixo de seu corpo esguio uma avenida movimentada. Era um convite à morte.

Contudo, havia outro caminho. Por ele, para chegar até o outro lado era necessário que se descesse até o fim da rua (uma rua arborizada, calma, com ar de paz) para depois subir atravessando uma paisagem grotesca, onde o lixo se misturava e, por vezes, se confundia às pessoas. O retrato angustiante da desordem.

Quando o despertador soou eram 06h52min.