quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O sapo

O menino entendia pouco da língua, o que o amedrontava.
O menino entendia pouco da vida e arremessava-se.
ilustração: the frog.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O que me revela

Daqui desse momento
do meu olhar pra fora
o mundo é só miragem
A sombra do futuro
a sobra do passado
a sombra é uma paisagem
Quem vai virar o jogo e transformar a perda
em nossa recompensa?
Quando eu olhar pro lado
eu quero estar cercado só de quem me interessa
Às vezes é um instante
a tarde faz silêncio
o vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
de um tempo que ainda não passou
Por trás do seu sossego, atraso o meu relógio
acalmo a minha pressa
Me dá sua palavra
sussure em meu ouvido
só o que me interessa
A lógica do vento
o caos do pensamento
a paz na solidão
A órbita do tempo
a pausa do retrato
a voz da intuição
A curva do universo
a fórmula do acaso
o alcance da promessa
O salto do desejo
o agora e o infinito
Só o que me interessa.
é o que me interessa, lenine e dudu falcão.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A descoberta do dia

O espelho não me revela.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Melodia

uma canção entoada por um amador
cantada
à voz vacilante
tremida
desconfia do apuro do ouvido.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

E a quem ama, troca.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Feliz ano novo

Ao menino que bebe e aproveita de jovens corpos como o seu, uma vida imensa e uma calmaria.
À menina que não sabemos se o 'estou bem' que ela faz ecoar aos quatro cantos é verdadeiro ou esconde uma agonia, a alegria inconstante que faz bem e remedia.
À jovem mãe com ânsia de palco e intensidade apropriada, uma família com saúde e o reconhecimento devido.
À erudita de coração inconsolável, um amor sadio e vida de pacíficas histórias.
Ao jovem desmedido, a permanência de suas virtudes.

A little bit of time

Me dê um minuto.

domingo, 16 de novembro de 2008

Nudez

'Eu não me queixo'.
Da solidão por entre os arranha-céus da cidade de São Paulo ou nas pistas largas e monumentos de concreto de Brasília.
Dos amores doídos e dos peitos escancarados jorrando o sangue que era do meu amor.
Eu não me queixo da falta de amigos ou da falta de um pai, de irmãos ou da falta plena de tudo - o vazio que ora preenche, ora assola.
Nem do trabalho ruim, da fome de paixão e de prazer.
Tu não deves queixar-se se achas que já não acreditas na felicidade da mesma forma que acreditavas aos doze anos de idade - porque aos doze anos todas as realizações são possíveis e não concebe-se de forma alguma a idéia de que obstáculos não possam ser superados.
É a dádiva da infância.
Eu não sei mais o que eu sabia antes.
E nem reclamo.
Por que que descoberta poderei eu fazer, depois de saber do sabor dos teus lábios levemente avermelhados e meus [posse].
Depois de descobrir e descobrir e desnudar tantas pieguices, e despir-me em palavras cada dia mais pesadas, que descoberta?
Só me resta essa nudez , enquanto tu ainda estás de roupa.
Eu não poderia parar e sentar e decidir e mudar e encarar todas as faces robustas e feias das coisas que não queremos.
Porque
o não querer é perigoso.
Eu não posso encarar o perigo se não tenho companhia, só lembranças ameaçadas por sortes e boas coisas.
E não consigo entender [me].
E as palavras? Onde está a leitura que deveriam fazer?
Eu sinto.
ilustração: traço nú.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

No recreio

Eu excursiono pela vida hoje com o olhar atento de quem vê e vive tudo como se fosse o último dia.
Como quem tem para viver apenas os quinze minutos de recreio entre uma aula e outra e nesse intervalo, instalado entre a rotina robótica de nossa existência, nós dançamos feito protótipos de amores infinitos e leais, querendo pra sempre o bom humor das caretas e dos timbres de voz.
ilustração: zoológico, rocío alejandro.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Que fazes aqui?


- Que fazes aqui?
- Descobrindo, e tu?
- Indo. O que queres descobrir?
- O que ainda não descobri. Onde queres chegar?
- Onde ainda não fui.
- Onde ainda não foi?
- Onde ainda não descobri.
- Então estás descobrindo, não indo.
- Só posso descobrir indo.
- Não é porque está indo que vai descobrir.
- Então é por quê?
- Podias estar indo para onde já descobristes.
- E tu poderia descobrir o que já descobristes.
- Já descobri o que já descobri.
- E eu já fui para onde já fui.
- Poderias voltar.
- Poderias redescobrir, não descobristes tudo.
- E tu não fostes para todos os lugares de onde viestes.
- É verdade.
- E o que ainda não descobrimos?
- Muito. O que já descobrimos, por exemplo.
- Não há nada para descobrir pela primeira vez?
- Há. O que fazemos aqui, por exemplo.
- Estamos aqui para descobrir.
- E por que temos que descobrir?
- Ainda não descobri, mas pretendo.
- Descobrirás outra coisa.
- O quê?
- Não sei, ainda não descobristes.
- Como sabe que vou descobrir o que nem sabe o que é?
- Se não sei o que é, é porque ainda não descobristes.
- Como pode ‘ser’ se nem sabe o que ‘é’?
- Não sei quem és, não significa que não és.
- E se ainda não tiver me descoberto?
- Então não és.
- Se não sou, não preciso saber o que faço aqui.
- Tem razão, mas já te descobristes.
- Estás certo. Se eu descobrisse antes, não me descobriria.
- E agora, o que fará?
- Sair daqui, e tu?
- Vou contigo, para onde vais?
- Preciso descobrir isso também.
- Como podes ir se nem sabe para onde vai?
- Então vamos ficar aqui.
- E por quê?
- Para descobrir o que fazemos aqui.
- Sim. Somos dois, será fácil descobrir.
tiago júlio, descoberta, de vago.
ilustrações: felipe lima.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Esperando Clarice

Eu sou um menino ainda, moça.
Um menino que sente falta dos amigos todos já maduros,
seguindo com suas vidas tão soltas e tão boas.

Eu sou um menino caído num poço raso,
que sente falta de Deus e da época em que bastava a presença de um amor encardido.

Eu sinto falta de um bom prato de comida,
da geladeira cheia,
de me vestir com as peças de roupa que eu deixo penduradas nos cabides do meu armário sem portas.

Eu estou esperando, Clarice.
Esperando que você venha e me leve correndo para que façamos aquela viagem com que nós dois tanto sonhamos:
eu aqui e você aí, onde quer que você ainda esteja.

Por onde?

A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento,
terá os pés na pedra
ou vento no cabelo?
A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento,
dará voltas na Terra
ou no estacionamento?
Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?
A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento,
terá os pés na areia
em pleno apartamento?
A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento,
por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?
Onde longe Leme Luanda
ou na minha cama?
adriana calcanhotto, seu pensamento.
ilustração: um beijo de saudade, maria joão franco.

No escuro

----------- Eu levantei e o escuro era o eu palpável.
Era a única coisa que eu conhecia: um escuro atordoante e libertador.
Era como se eu finalmente cedesse ao meu não saber, às dúvidas, aos egoísmos.
Que luz?
E era como se perdido eu me encontrasse e como se desnorteado eu me pusesse na vida.
Da intimidade do escuro eu trouxe uma sensação de afago.

sábado, 8 de novembro de 2008

05:55

Estou buscando, estou tentando encontrar.
É um erro?
Melhor seria descartar o que foi vivido e desaperceber-se?
E desapercebendo ressucitar?
Eu não toco ninguém; eu canso.
É um cansaço doído e permanente, uma grande onda que só incomoda, não destrói.
Uma tsunami tímida.
É como se às cinco e cinquenta e cinco o despertador soasse e eu me levantasse sem despertar.
E então sonhasse, e então quisesse e comesse: sem despertar.
E sem despertar eu novamente dormisse e de novo quisesse.
Quisesse dinheiro. Ou amor. Ou quisesse não saber.
Toda dor é um motor.
Um motor potente - ainda que sem pressa.
Toda dor é uma
q
u
e
d
a.
Uma queda igualmente potente.
É quando Deus nos larga por um instante breve e logo nos toma de volta, embora a sensação seja de constante desamparo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pingos


Chuva
chove
pinga
chora
dorme.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Eu queria ser feliz

para quem quer se soltar invento o cais
invento mais que a solidão me dá
invento lua nova a clarear
invento o amor e sei a dor de me lançar
eu queria ser feliz
invento o mar
invento em mim o sonhador
para quem quer me seguir eu quero mais
tenho o caminho do que sempre quis
e um saveiro pronto pra partir
invento o cais
e sei a vez de me lançar.
milton nascimento e ronaldo bastos, cais.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Calado

À porta de mim, um eu quieto.
Mudo e estático, recordo-me
que eu fui o peito nú que abrigou sua cabeça pesada e confusa.
[Os sorrisos eram tristes à medida da tua distância]
Eu não me cansava e não tinha fome
porque nos alimentávamos das substâncias intrínsecas ao nosso contato.
Era um furacão que não devastava,
uma dor que não doía e era bom sentí-la.
Era bom fruir da angústia que não dilacerava,
do tapa que não machucava.
Hoje há um eu calado,
perplexo.
De tão imóvel, quase morto;
de uma morte sem tragédia ou arrebatamento.
Irei sobreviver ao tempo de um segundo?
Eu vou superar.
Levarei tempo, ainda, mas tempo é divino.
Renascido, haverá a dúvida:
deverei olhar para tudo como se fosse a primeira ou a última vez?
ilustração: a little quiet, lost and gray.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Das cinzas

Eu vou superar.
Levarei tempo, ainda, mas tempo é divino.
Renascido, haverá a dúvida: deverei olhar para tudo como se fosse a primeira ou a última vez?