domingo, 21 de setembro de 2008

Carta ao meu amor de ontem

'Eu podia perceber um sentido já engajado e latente - um sentido que eu sabia ser o fim mas eu não o planejava.
Eu me desnudei e me alimentei de tudo o que eu não mais comeria.
Eu revisitei discos que já não mais falavam sobre mim - e também deles eu me despedi.
Eu me permiti ser grotesco e inconsequente, e então eu vi surgir o seu itinerário.
Eu queimava. E já não dominava os meus membros, não era dono de meus passos - eu fui levado, entenda. Era destino e eu não sabia, eu não podia perceber. Eu não podia prever e não pensei em lutar - eu não imaginava.
Eu comprei cigarros e vaguei pelas ruas. Eu fui até a sua rua e rondei a sua porta mas eu não chamaria: eu sussurava adeus.
E então eu vi você surgir e só havia em mim o desespero.
Eu vi você andar na direção oposta - a nossa direção foi sempre oposta e eu pude ver.

Eu só preciso que você saiba que o meu amor foi carne e foi espírito.
Foi tamanha a intensidade que eu não pude compreender, entendo que você também não compreenda.
Eu amei mais do que eu pude e mais do que eu devia e sabia.
Eu lhe contei sobre a violência e sobre a falta que fazia o meu pai.
Eu era só uma criança e você foi o meu pai.
Você foi o meu Deus e eu esperei que você trouxesse a redenção.

Me desculpo: o meu amor não conheceu comedimento. Por favor, perdoe-me.
Agora há a liberdade - a minha e a sua.
O amor que era carne e era espírito hoje é transcendental. Há o respeito, o bem-querer e um espaço numa vida e história que não é sua. É minha.
Hoje eu disse adeus. A minha redenção é agora.'

9 comentários:

Anônimo disse...

olá texto lindo rapaz, tocante...algumas vezes transformamos nossos companheiros (as) em pai ou mãe.... o amor transcendental é o melhor amor depois do físico, cara parabéns pelo texto e caso seja auto-biografico fico feliz que tenha passado essa fase de termino de namoro. abraços e boa semana

Robson Schneider disse...

Felipe, as transferencias sempre nos põe em perigo né, embora todo mundo faça isso de uma forma ou de outra...mas se não os assumimos, sofremos riscos piores.
Abraço

Marcus Simas disse...

Eh verdade eu também não lembrava mto dela não heehe ... daí encontrei e estava num bom dia e postei :p

Massa teu blog ... abraços ae vo colocar ele na minha lista OK.


Marcus

Henrique Monteiro disse...

Você se permitiu coisas que eu, talvez, não fosse querer me permitir.
Mas é comum encontrarmos refúgio em certas pessoas, e os alicerces não aguentarem.

Mas como o titulo diz, é uma carta ao amor de ontem. Aproveite o hoje, e planeje o amanhã.

Anônimo disse...

A redenção é agora.


Tão sincero e tão íntimo,
que fica difícil até para comentar.

Muito belo e sensível.

ps: A vida é realmente preciosa em todas as nuances. Concordo com você.

Beijos! :)

Kauana Resende disse...

Nossa! Sinceramente! Toda vez que leio um texto, poesia seu, o que for! Fico pensando: que forma maravilhosa de se falar dos sentimentos, das coisas ou de fatos corriqueiros! Parabéns! ^^
=*

Anônimo disse...

Como é possível falar sobre perdas com tamanha ternura? Isso dói demais, né? A gente vive a vida do outro e nem se dá conta. Eu tenho muito o que aprender, Felipe. Muito...Um beijo grande procê, poeta.

Flávia disse...

Curioso como esses processos de redenção são sempre tão dolorosos. É como se nos desvincular da necessidade do outro para nos ater à nossa própria necessidade de auto-amor, de auto-compreensão, de auto-comiseração, fosse uma caminhada de pés descalços sobre brasas - dói, mas no fim... a tal da redenção depois do cumprimento de um destino.

Belíssimo teu texto.

Beijos :)

Jaqueline Lima disse...

é assim. quando estamos perdidos. de nós mesmo. viramos um dependente. e carente. buscamos as respostas. nos conselhos. mas não. não deve ser assim. porque somos. e isso basta. em partes. você pode descobrir em você. superar com você. e sentir você. depois vem o outro. depois vem a parte. depois vem a junção.

Prazer. Beijo