sexta-feira, 20 de junho de 2008

O pé grande e a melancia

Lúcia era uma mulher gorda, com 36 anos de idade e quatro crianças (duas adotivas) para sustentar. Trabalhava oito horas por dia e dava plantão dois sábados por mês para, junto do marido, dar conta das despesas de casa. O marido, um peso morto daqueles que moram em frente à televisão e engatam centenas de latas de cerveja durante a semana, pouco se importava com as obrigações matrimoniais, e, quando acometido pelo espírito da boa vontade, deixava a desejar numa performance - perdoem o trocadilho - broxante.

Cansada, entediada e com a libido em coma, Lúcia partiu quase que involuntariamente numa jornada de sexo e descobertas iniciada num chat na internet, com um podólatra dez anos mais jovem, louco por gordinhas. Curiosa com as possibilidades de realização sexual invariavelmente ligadas ao recém conhecido Big Foot, Lúcia, conhecida no cyber espaço como Chupa Que é de Melancia - revelando uma audácia peculiar desconhecida até então - quis encontrar-se o quanto antes com o rapazinho que lhe prometia prazeres estratosféricos e mais.

Depois de duas semanas de negociações intensas, marcaram data, hora e local para aquela que seria, sem dúvida, a maior aventura de sua vida. Naquele mês, Melancia deixou de comprar o presente do filho mais velho - que faria nove anos - para investir em uma belíssima lingerie GG, que comprou de uma amiga sob pretexto de uma última tentativa de desafogar o casamento.

Chegado o dia, Lúcia não conseguia trabalhar, eufórica, levantando suspeitas dos que a observavam. Às 18 horas saía do trabalho e caminhava direto à estação de metrô, que a levaria até o centro num trajeto de pouco mais de cinco minutos. Chegando ao local combinado, passou a olhar os transeuntes buscando a figura que Big Foot havia descrito.

Lúcia tentou, mas não conseguiu segurar o queixo ao ver em sua frente, sorrindo com os belos dentes a mostra, um homem forte, loiro, 1,80 metro, 76 quilos, vestindo jeans e camisa verde-musgo. E transcendeu o êxtasi ao ouvir, quase sem acreditar:

- Acho que vai ser melhor do que eu esperava.

- Vai? - balbuciou.

Partiram dali para um aconchegante flat com cerca de 50 metros quadrados, cama resistente e vídeos estimulantes. Subiram as escadas já se agarrando, numa urgência lasciva que os levou a percorrer os móveis do espaço, o sofá de dois lugares, o balcão da cozinha americana. Lúcia não podia acreditar que tivera coragem para tanto, e sobretudo, que tivesse tido sorte em encontrar alguém que parecia admirar o que sempre acreditou ser seu maior defeito. Pé Grande passeava por aquele corpo imenso, dando atenção especial aos pés inflados de Lúcia, que num ímpeto de tesão já nem se reconhecia mais nela mesma, acordando dentro de si uma mulher capaz de sentir e sobretudo (e o que parecia ainda mais importante) dar prazer.

Despediram-se já marcando encontro para o dia seguinte. Na sexta, sentindo-se pela primeira vez em alguns anos importante para si própria, Lúcia teve um excelente dia de trabalho, realizando suas tarefas com agilidade e eficiência surpreendentes.

Após o expediente, do lado de fora do prédio, Murilo - o Pé Grande - já a aguardava com excitação. Lúcia entrou no carro rapidamente e juntos partiram para o motel mais próximo. Semanas seguiram-se nessa rotina inebriante. Murilo e Lúcia, depois de algumas noites sem informações complementares, passaram a interessar-se pelas histórias um do outro. Lúcia falou sobre os filhos, sobre quanto os amava, mostrou fotos que fizeram Murilo encantar-se pelas crianças - que ela prometeu apresentar (um dia). Murilo falou sobre trabalho, sobre ex-namoradas e infância. Passaram a nutrir uma cumplicidade que ia além da cama e em alguns meses não podiam ficar sem se falar por sequer um dia, sob risco de sufocamento pela realidade.

Protagonizaram momentos inusitados em várias ocasiões. As pessoas não conseguiam conceber a harmonia apresentada pelo casal diante da disparidade de seus perfis, mas este fato passou a não os incomodar à medida em que reconheciam-se como personagens de uma história incomum e - mais do que embaraçosa - desconcertante.

Passado mais um tempo, junto com todas as mudanças trazidas com a chegada de Murilo - novo cargo, mais auto-estima e realização - Lúcia decidiu que chegara o momento de mandar seu marido zarpar para o bar mais próximo e passar a visitar os filhos somente nos fins de semana. Assumiu então o romance com Murilo, permitindo que a fantasia desse lugar à realidade sem que se perdesse, no entanto, a magia de um encontro como aquele.

Os dois passaram a almoçar juntos, ir juntos ao shopping - primeiro a sós, como um casal de namorados em início de relacionamento, depois acrescentaram as crianças ao passeio - e assim, quase sem perceber, criaram um vínculo inesperado de cumplicidade e afeto.

E foi assim que Lúcia percebeu que a vida tem maneiras muito peculiares de nos fazer felizes, quase como se zombasse de nós, mostrando-nos a cada dia que das maneiras mais incrivelmente absurdas, podemos sim, mudar o rumo de nossos destinos.

2 comentários:

Adriano Silva disse...

Puxa, gostei muito dessa história... é um momento pra gente parar e olhar um pouco sobre com está nossa vida e ver que novo rumo podemos tomar.
Pra você ver como o Murilo soube dar valor a Lúcia, uma coisa que ela nem imaginava vindo de um cara tão bonito. Às vezes eu fico pensando... pois eu conheço muitas pessoas que estão na mesma situação dela, e acham que não existe alguém especial para valorizá-lo. O importante é acreditar que um dia esse alguém vai entrar em suas vidas, e apenas devemos aproveitar o momento da melhor forma possível.
*****

Anônimo disse...

"...As inúmeras possibilidades, quando a gente se permite..." . Lindo! Lindo, lindo....