terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Vinte e nove

- Oi.
- Quem é?
- Eu.
- E aí?
- Olha, antes que você se assuste: pode abrir o portão e apertar a minha mão. Eu só vim desejar um bom aniversário. Um bom ano e muita felicidade.
- Jura? Não tem nenhum cigarro aí na tua mão? Não veio repetir aquelas coisas todas? Que você me ama, mesmo não devendo e etc.?
- Não. Não vim, não.
- Por que?
- Por que como assim?
- Assim o quê? Nada, sei lá. Espera aí.
- Beleza.
- E aí?
- E aí é isso. Eu tentei ligar mas o número não é mais o mesmo, eu acho. Aí eu pensei: é vinte e nove, o ano acabou, Deus! Vamos acabar tudo direito, então.
- E aí?
- Aí eu queria me desculpar por tudo, por qualquer coisa – mais uma vez – e desejar saúde.
- Só?
- Não. Saúde, principalmente.
Silêncio.
- E o que mais?
- Boa sorte. Dinheiro, essas coisas.
- Me deseja uma namorada! Tô precisando de uma.
- E uma namorada.
- Ah, valeu.
- De nada.
Silêncio.
- Tudo bem?
- Tranqüilo. E aí, o que tú tá fazendo? Trabalhando, estudando?
- Muito. Tudo isso aí. E você?
- Assistindo TV, engordando. Sempre. Mas me fala uma coisa: que tava rolando naquele dia lá do cigarro?
- Por que você acha que era eu?
- Ah, fala sério, porra. Tú tava na minha porta, debaixo de chuva, um cigarro na mão (um de vários, com certeza). Quem mais?
- Podia ser qualquer pessoa.
- Não podia, não.
- Não estava rolando nada. Uma despedida. Um ponto final.
- E isso aqui é o quê?
Levantar de ombros.
- Significa o quê?
- Sabe o engraçado?
- Hum?
- Eu nem sei fumar. Todo mundo diz.
- Tú devia parar de vez, então.
- Já parei.
- Bom.
- É.
Silêncio.
- Era isso.
- Falou, então. A gente se...
- Não.
- Como é que tú sabe que não? Não é tú quem decide.
- Olha: você espera mesmo que alguém tome as decisões por você?
- Como assim?
- Não é uma interrogação. Sabe qual é a grande verdade da qual ninguém se dá conta? No fundo, tudo é ridiculamente muito simples. Mas sei lá: forças ocultas, falta de Deus ou uma tremenda venda nos olhos, a gente deixa passar e justifica dizendo que era complicado. Há! Complicado. Fica com Deus, irmão. Se cuida.
Dois dedos. Mão no coração.
ilustração: cigarettes.